terça-feira, 20 de novembro de 2012

Mulheres de Consciência Negra



No Brasil, começamos a avançar, a viver o resultado do trabalho de tantos negros e negras que constroem nossa história com a longa e dura luta por liberdade e igualdade.
Hoje é dia de comemorar avanços, como a vitória das cotas este ano na Justiça brasileira, e traçar os novos passos da luta por uma Consciência Negra brasileira e mundial, que faça justiça histórica e justiça social.
Não existe luta sem mulheres e fica aqui o registro de algumas referências no Brasil: Mulheres de Consciência Negra.


Luiza Mahin

Africana livre, da Costa da Mina, mãe do poeta abolicionista Luiz Gama, é idealizada e reverenciada pela comunidade negra e demais segmentos da sociedade brasileira associados aos movimentos negros e à valorização da história e cultura afro-brasileiras. Aproveitando-se de sua profissão de quituteira, participou de todas as revoltas escravas que ocorreram em Salvador nas primeiras décadas do século XIX, pois de seu tabuleiro eram distribuídas as mensagens em árabe, através dos meninos que pretensamente com ela compravam seus quitutes. Sem documentos ou quaisquer registros materiais que atestem sua existência, Luiza Mahin entrou para a História pela escrita do filho, que revelou o nome da mãe em uma carta autobiográfica e dedicou-lhe os versos do poema Minha Mãe, escrito em 1861.

Era mui bela e formosa,
Era a mais linda pretinha,
Da adusta Líbia rainha,
E no Brasil pobre escrava!
Oh, que saudades que eu tenho
Dos seus mimosos carinhos,
Quando c’os tenros filhinhos –
Ela sorrindo brincava.
Éramos dois — seus cuidados,
Sonhos de sua alma bela;
Ela a palmeira singela,
Na fulva areia nascida.
Nos roliços braços de ébano.
De amor o fruto apertava,
E à nossa boca juntava
Um beijo seu, que era a vida.
[...]
Os olhos negros, altivos,
Dois astros eram luzentes;
Eram estrelas cadentes
Por corpo humano sustidas.
Foram espelhos brilhantes
Da nossa vida primeira,
Foram a luz derradeira
Das nossas crenças perdidas.
[...]
Tinha o coração de santa,
Era seu peito de Arcanjo,
Mais pura n’alma que um Anjo,
Aos pés de seu Criador.
Se junto à cruz penitente,
A Deus orava contrita,
Tinha uma prece infinita
Como o dobrar do sineiro,
As lágrimas que brotavam,
Eram pérolas sentidas,
Dos lindos olhos vertidas
Na terra do cativeiro.


Aqualtune

Filha de um rei do Congo, viveu no século XVII. Comandou um exército de dez mil homens quando os Jagas invadiram o seu reino. Derrotada, foi levada como escrava para um navio negreiro e desembarcada em Recife. Obrigada a manter relações sexuais com um escravo, para fins de reprodução, já grávida foi vendida para um engenho de Porto Calvo, onde pela primeira vez teve notícia de Palmares. Nos últimos meses de gestação organizou a sua fuga e a de alguns escravos para aquele quilombo. Começou, então, ao lado de Ganga Zumba, seu filho, a organização de um Estado negro, que abrangia povoados distintos, confederados sob a direção suprema de um chefe. Aqualtune liderou o mocambo que levava seu nome e lá também teve filhas, a mais velha das quais, chamada Sabina, deu-lhe um neto, nascido quando Palmares se preparava para mais um ataque holandês. Por isso, os negros cantaram e rezaram muito aos deuses, pedindo que o Sobrinho de Ganga Zumba, e, portanto, seu herdeiro, crescesse forte. Para sensibilizar o deus da guerra, deram-lhe o nome de Zumbi. A criança cresceu livre e passou sua infância ao lado de seu irmão mais novo chamado Andalaquituche, em pescarias, caçadas, brincadeiras, ao longo dos caminhos camuflados, que ligavam os mocambos entre si. Garoto ainda, Zumbi conhecia Palmares inteiro. Passam-se os anos e Palmares tornou-se cada vez mais uma potência. Mais de 50.000 habitantes livres, distribuídos em vários mocambos.


Acotirene

Diz-se que ela chegou à Serra da Barriga antes mesmo de Ganga-Zumba e assumir o poder. Era a matriarca do Quilombo dos Palmares e exercia a função de mãe e conselheira dos primeiros negros refugiados na Cerca Real dos Macacos. Quando Ganga Zumba assumiu o poder, Acotirene não perdeu a função de conselheira. Era sempre consultada sobre todos os assuntos, desde as questões familiares, até as decisões político-militares. Acotirene aparecia aos chefes quilombolas para orientá-los nas dificuldades ou nas decisões a serem tomadas. O mocambo de Acotirene (que, assim como ode Aqualtune, também levava o seu nome) ficava situado no norte do Quilombo dos Palmares, a 21 léguas do povoado de Porto Calvo, entre os mocambos de Amaro, Dambaranga, Zumbi e Tabocas. Pela situação geográfica, esse mocambo tinha a função agrícola na organização do Quilombo.


Zeferina

No  ano  de  1826  Zeferina  foi  líder  do  Quilombo  do Urubu, localizado na região que hoje é compreendida entre Parque de São Bartolomeu até o bairro do Cabula, em Salvador (BA). Segundo o historiador João José Reis, no livro Rebelião Escrava no Brasil, Zeferina foi presa, a muito custo, após um confronto com as tropas do governo do Conde dos Arcos. Seu perfil destemido e combativo lhe rendeu “elogios involuntários” por parte do presidente da província que se referia a ela como “rainha”. Em matéria publicada pelo jornal A Tarde, em 29 de março de 2008, a socióloga Vilma Reis ressaltou que ao ser presa e levada acorrentada para a Praça da Sé, a fim de servir de exemplo para outros insurgentes, “ela sempre esteve com a cabeça erguida. Os policiais estavam chocados com a altivez dela. Quando perguntam quem ela era, ela informou quem era, de onde veio e disse que estava ali para libertar o povo dela”.


Maria Felipa

Marisqueira natural de Itaparica, Maria Felipa foi uma mulher de muita coragem e habilidade, que participou das lutas pela Independência na Bahia. Maria Felipa comandou cerca de 40 mulheres num ato de ousadia e muito desembaraço, onde queimaram 42 barcos da esquadra, permitindo ao povo de Salvador a supremacia nos embates e a definição da situação, com a vitória sobre as tropas da dominação Portuguesa. Conta-se ainda que, numa demonstração de irreverência e ousadia, ela e seu grupo seduziram dois vigias portugueses e quando estes estavam desnudos, usaram galhos de cansanção  e deram uma surra em ambos.

Tia Ciata

Hilária Batista de Almeida nasceu na Bahia em 1854. Aos 22 anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, no êxodo que ficou conhecido como diáspora baiana. Como todas as baianas da época, era grande quituteira. Mãe de santo respeitada, Hilária foi confirmada no santo como Ciata de Oxum, no terreiro de João Alabá, na Rua Barão de São Félix, onde também ficava a casa de Dom Obá II. Além de celebrar os seus orixás, Tia Ciata promovia sambas e rodas de partido alto. As chamadas “tias” baianas tiveram um papel preponderante no cenário de surgimento do samba no Rio de Janeiro, no final do século XIX e início do XX. Eram transmissoras da cultura popular trazida da Bahia e sacerdotisas de cultos e ritos de tradição africana. De todas, a mais famosa foi Tia Ciata, em cuja casa nasceu o samba. A Praça Onze ganhou o apelido de Pequena África, porque era o ponto de encontro dos negros baianos e dos ex-escravos radicados nos morros próximos ao centro da cidade. Lá se reuniam músicos amadores e compositores anônimos. A casa de Tia Ciata, na Rua Visconde de Itaúna, número 117, era a capital da Pequena África.


Lélia Gonzalez

Referência no movimento feminista brasileiro por sua oposição à violência contra a mulher, a mineira Lélia Gonzalez era filha de um ferroviário negro e mãe de origem indígena. Pioneira nos cursos sobre Cultura Negra, doutorou-se em Antropologia Social, em São Paulo, e dedicou-se a pesquisas sobre a temática de gênero e etnia. Militante do movimento negro, teve fundamental atuação em defesa da mulher negra, participando do Instituto de Pesquisas das Culturas Negras e do Coletivo de Mulheres Negras N’Zinga. Como consequência da sua atuação no movimento feminista, foram criadas, inicialmente em São Paulo (1985), as Delegacias de Defesa da Mulher. A Constituição de 88 passou a reconhecer a violência doméstica e a necessidade de o Estado criar medidas para coibi-la. Grande incentivadora das tradições afro-brasileiras, pertenceu ao Grêmio Recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombos, que fazia seu carnaval atendo-se às raízes do velho samba carioca e foi uma das fundadoras do grupo Olodum, de Salvador, Bahia. Faleceu vítima de problemas cardíacos, no Rio de Janeiro, aos 59 anos.


Maria Carolina de Jesus

Nascida em 14 de março 1914, em Sacramento (Minas Gerais), foi alvo de muito preconceito na infância, por ser negra e pobre. Maria Carolina estudou por pouco mais de dois anos no Colégio Espírita Alan Kardec, por intermédio da patroa de sua mãe, que era lavadeira. Diante de todas as mazelas, perdas e discriminações que sofreu em Sacramento, Carolina revela através de sua escritura a importância do testemunho como meio de denúncia sociopolítica de uma cultura hegemônica que exclui aqueles que são considerados “diferentes”. A sua obra mais conhecida (Quarto de Despejo) resgata e delata uma face da vida cultural brasileira quando do início da modernização da cidade de São Paulo e da criação de suas favelas. Trata-se de uma “literatura das vozes subalternas” que ganhou força a partir dos anos 70, pelos testemunhos narrativos femininos. A obra de Carolina Maria de Jesus é um referencial importante para os Estudos Culturais, tanto no Brasil como no exterior.

Fonte: “Luiza Mahin: uma rainha africana no Brasil”, de Aline Najara da Silva Gonçalves. Rio de Janeiro: CEAP, 2011.


Nenhum comentário:

Postar um comentário